terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nocaute !

Como telespectador e fã de Boxe e MMA, além das finalizações (MMA), não há nada mais empolgante do que assistir ao fim do tempo regulamentar do combate por nocaute. Apesar de ser algo quase hipnótico e querer visualizar em minúcias o desfalecimento momentâneo do outro lutador, um trauma na cabeça mais grave ou a sucessão deles em níveis variados podem trazer consequências devastadoras ao atleta.


Muhammad Ali, um dos melhores boxeadores de todos os tempos, aos 42 anos de idade, daria inicio a uma série de sintomas que o acompanham até os dias de hoje: tremores, lentidão de movimentos, fala arrastada e inexplicável fadiga. O Neurologista Stanley Fahn, examinou-o na Universidade de Columbia, referência mundial em diagnóstico e tratamento da doença de parkinson, e diagnosticou seu "parkinsonismo".

Em seguida, a imprensa e os fãs começaram a questionar se foi o Boxe o principal causador da doença. Não havia nenhuma forma de afirmar, categoricamente, que foi o Boxe a principal causa. O fato é que, pelas informações científicas na época, o que poderia ser afirmado é que ele desenvolveria a doença, mesmo se fosse um bailarino, contador ou profissional de qualquer outra área.

Entretanto, modalidades como o Boxe, na qual a probabilidade de lesões no cérebro são maiores comparados ao MMA, por exemplo, sempre existe o risco de traumas na cabeça e lesões no cérebro, do mesmo modo que existe grande possibilidade de L.E.R (Lesão por Esforço Repetitivo) em indivíduos que passam boa parte do tempo digitando no trabalho, sem condições ergonômicas adequadas de teclado e/ou cadeira.

Em 1928, o patologista Harrison Martland, descrevia uma síndrome, na qual percebia que boa parte dos atletas pareciam bêbados fora dos ringues. Estimou que metade de todos os pugilistas veteranos profissionais tinha a doença. Dentre eles, lutadores lendários como Joe Louis, que desenvolveu sintomas de demência e Sugar Ray Robinson, que morreu com a doença de Alzheimer.

Atualmente, os especialistas utilizam outros termos para denominar a síndrome de "bêbado": traumatismo crônico crânio-encefálico, encefalopatia crônica traumática, encefalopatia do pugilista e "demência pugilistica", termo médico recente utilizado para descrever os casos mais graves. Além desse, a literatura agora também tem uma nova denominação: "parkinsonismo pugilistico". Já é consenso que vítimas em função de lesões no cérebro são mais propensas a desenvolver doença de Alzheimer do que Parkinson.

Por outro lado, parece existir um vínculo genético entre a doença de Alzheimer e lesões traumáticas. Uma variação genética comum conhecida como ApoE4, tem sido associada a um aumento na gravidade da lesão cerebral de lutadores com mais de 12 lutas profissionais registradas. Em estudo prévio, foi sugerido que alguns indivíduos podem ser geneticamente mais predispostos a sofrer dano neurológico em razão de golpes na cabeça.

Os sintomas de doenças neurológicas em lutadores podem ser observadas sob 3 aspectos:



• Motor - Fala um pouco arrastada, é um dos primeiros sinais de danos cerebrais. Outras deficiências comuns são: falta de coordenação, movimentos lentos, voz enfraquecida, rigidez, problemas de equilíbrio e tremores;


• Cognitivo - Com aplicação de alguns testes, é verificado facilmente que os atletas apresentam baixa concentração, déficits de memória e diminuição da velocidade mental (raciocínio). Além disso, com o agravamento, o lutador pode apresentar amnésia profunda, déficits de atenção,
lentidão de pensamento;


• Comportamental - Os sinais mais comuns incluem irritabilidade, falta de discernimento, paranóia e explosões de violência e fúria, muitas vezes, "inexplicáveis".


Já em 1969 um estudo realizado por pesquisadores britânicos descobriu que um em cada seis pugilistas profissionais aposentados sofriam de graves danos cerebrais. Os sintomas começaram a aparecer, em média, 16 anos depois do fim da carreira. Os que lutaram mais (além dos 28 anos), estatisticamente, foram considerados de maior risco, assim como os que tinham derrotas no cartel, especialmente por nocaute. Sugeriu-se que a cada trauma mais contundente e/ou nocaute, ocorra perturbação na fisiologia normal do indivíduo, com danos irreparáveis às células nervosas.

Outra teoria sustenta que os golpes na cabeça causem distúrbios substanciais à química do cérebro, conduzindo a resposta imune com danos ao sistema nervoso central.

O MMA e o Boxe são esportes em que "ferir" um oponente é um objetivo explícito: atingindo e danificando o cérebro, por nocaute (MMA ou Boxe), ou lesionando articulações e ligamentos (no caso das finalizações "articulares" realizadas no MMA). Esse fato inequívoco conduziu uma reviravolta e mobilização de diversas associações médicas, solicitando a abolição do Boxe e, posteriormente, do MMA (principalmente nos Estados Unidos).

Hoje, por intermédio das comissões atléticas que sancionam os dois esportes nos EUA, foram decretadas regras de saúde rigorosas, objetivando manter a integridade dos atletas. Dentre as principais, estão: realização de ressonância magnética (anual e, porventura, antes de algum combate caso seja solicitado); proibição de participação por período determinado em um próximo combate para aqueles que perderam seis vezes consecutivas (independentemente do modo como perdeu) ou em três lutas consecutivas (se a perda foi por nocaute ou nocaute técnico).

Concluímos este artigo salientado que essas medidas foram muito importantes para minimizar os problemas associados a golpes na cabeça e possíveis implicações diretas à saúde dos atletas. Todavia, não resolve em definitivo o principal desafio, que é quando a lesão se torna crônica, já instaurada. A preocupação da comunidade científica agora é de encontrar marcadores pré-clínicos, para tentar identificar sinais de lesão antes de o lutador apresentar sintomas permanentes. Assim, poderia até ser recomendado previamente que interrompa a carreira antes de um acontecimento trágico, como a morte, por exemplo.





Referências:


1) Clancy, F. The Bitter: Head blows from boxing can cause dementia and Alzheimer’s. Can the same chronic brain injury also lead to Parkinson’s? Neurology Now, p.24-25, 2006;

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